The Portugies by: Clarissa de Queiroz Khaled Juma A coisa mais perigosa que acontece em uma guerra é o que não é dito, o que não é fotografado e o que as pessoas não conversam. Não são apenas as histórias que são contadas por todos os lados para emocionar e fazer chorar, mas o verdadeiro crime contra a humanidade: o crime que não recebe atenção porque o barulho do sangue é sempre mais alto. No entanto, no final, uma tragédia é sempre uma tragédia, e é enorme, mas não deve substituir o nosso sentido de pequena tragédia. Esta não é uma comparação entre o que acontece em países desenvolvidos democraticamente e o que acontece na Palestina, especialmente em Gaza, mas é uma tentativa de transmitir uma imagem do que é viver em um estado de guerra, mesmo que sua casa não tenha sido bombardeada , o seu filho não esteja morto e sua esposa não esteja ferida. A primeira coisa que eu vou falar é sobre o barulho de um míssil e seu peso imaginário. Qual é o efeito do som de um míssil a partir de um F-16, mesmo que ele não vá matar ou ferir, um míssil que pesa, no mínimo, 250 quilos, e muitas vezes mais de 1000 quilos. Por segurança, um avião não pode descer mais baixo do que 2700 metros e, portanto, seu ruído pode muitas vezes não ser percebido, nem o som do míssil quando cai. Mas, de repente, escuta-se o que geralmente vem depois, porque a velocidade da explosão é muito maior do que a velocidade do som. O assunto não está relacionado apenas à explosão, que dá a idéia de Dia do Juízo, mas também aos tremores que acontecem depois. Israel testou a capacidade dos mísseis de destruir túneis que supostamente estão na área de bombardeamento. Por isso, você escuta um som, que a princípio soa como um trovão em mar aberto, antes que o céu acenda momentaneamente. Em seguida, vêm os tremores, e antes de se recuperar do choque do míssil, o seguinte chega até você. Você não pode contar para saber quando isso vai acabar, porque eles possuem um número ilimitado. Por exemplo, uma vez bombardearam um conglomerado de ministérios ao lado da minha casa com 13 misseis. Não é importante se ele te mata ou fere, assim como a preocupação de onde você está no momento da explosão. Você está dormindo? Bebendo chá? De pé ao lado da janela? Você pode ter sorte em como seu corpo reage. Às vezes você cai no chão por causa corrente de ar quente. Ou a janela cai da parede, o que marca o fim da sua resistência. Ou chá e açúcar podem cair da prateleira. Ou você pode encontrar o vizinho à sua porta, já que os tremores o forçaram a sair de sua casa. Tudo isto está apenas relacionada ao som dos mísseis. Quanto ao que eles fazem, não existe ninguém possa dizer o que se sente quando um cai realmente perto. Em segundo lugar está a questão do terror e da espera, mesmo em situações onde não existem bombardeios. Na guerra, a capacidade do corpo de avaliar seus arredores, a forma de olhar e a sensibilidade nervosa muda completamente. A audição torna-se mais aguda, o olfato supera ao dos cães e a pele se aclimata. Até mesmo o conceito de tempo. Estas alterações não se encontram em um único fator, mas em manter controle sobre o medo das crianças, seu medo pessoal, o cheiro do ar, os espíritos que flutuam no ar, o silêncio horrível das mães, e a preocupação que os pais que tentam esconder. Na guerra isso se tornar outra coisa, que está em algum lugar entre o ser humano e a máquina. O terceiro é uma questão relacionada a sensação de segurança, pois em todas as guerras existem lados diferentes. Qualquer um que não toma um partido em uma guerra pode sentir relativamente seguro. Mas em Gaza não existe tal luxo. Você está exposto a morte. Se você estiver envolvido em uma batalha, se você é vizinho de alguém envolvido em uma batalha, ou se você é o vizinho de um amigo cujo sobrinho está envolvido em uma batalha. Claro, isso não o impede de ser bombardeado, mesmo que nenhum desses fatores estejam presentes, como foi o caso das quatro crianças Bakr, mortos à vista de um grande encontro de jornalistas estrangeiros. A quarta questão está relacionada com você sentir-se como se tivesse sido transformado de vítima a algoz. Como você se sentiria se bombardeassem a sua casa e você assistisse ao noticiário ocidental exibindo a casa de um israelita pobre, destruída por mísseis vindos de Gaza? Sua tragédia de ser bombardeado e morto é roubado de você, você está impedido de gritar. Na guerra você se sente como se estivesse sozinho. Nada é com você. Ninguém está com você. Até mesmo as portas, a televisão, as pessoas e as multidões. É mais perceptível quando se escuta uma expressão como: "Israel tem o direito de se defender". A quinta questão é relacionada ao que acontece após o bombardeio de casas. Se você sobreviver, a casa é o lugar onde se encontram as raízes e lembranças. Neste sentido, quando as casas são bombardeadas por Israel, é destruída a vida do morador, mesmo que ele não esteja em casa. Afinal, essas memórias que ali cresceram e foram destruídas, não pedaços de nós? Não deveríamos considerar a destruição dos lugares em que fomos criados com estas memórias como a destruição de uma parte de nós, assim como as mãos, a cabeça, ou os nossos corações? Em sexto lugar está a questão dos feridos. Por exemplo, durante o massacre da família al-Batesh, 50 pessoas ficaram feridas no mesmo ataque. Nestas lesões incluem-se 32 pessoas que tiveram de ter membros amputados. No entanto, porque o número de mortos era tão grande, essas lesões foram quase ignoradas. Após cada guerra em Gaza, milhares de pessoas com deficiência não são mencionadas, a não ser como estatísticas. A sétima questão é o fator psicológico. Você pode imaginar uma situação em que as pessoas que estão sendo submetidas a toda essa pressão não podem gritar ou chorar? Se tratando de quem perde a consciência durante o som de um míssil, ou daqueles que perderam seus filhos, pais, amigos, um conhecido, ou talvez todas as anteriores. Eu conheço um amigo cuja biblioteca foi destruída por um incêndio após ser alvejada por tanques em 2008. Mesmo que ele tenha sido educado e bem ciente da situação, ele teve que se recuperar, ainda que tenha ficado em seus olhos uma lágrima que nunca foi mencionada. Então, qual será a situação dos nossos filhos? Eles não entendem o que a palavra "Israel" significa, ou o significado da palavra "morte". Eles só sabem - como uma criança uma vez me disse - "Por que Deus não nos ama". O oitavo ponto é conceito que Carl Gustav Jung chamou de "armazenamento de crise." A natureza deste está relacionado com um mecanismo de defesa projetado pelo organismo para situações perigosas, especialmente na frente de crianças, de modo a não aterrorizá-las. Depois que a situação perigosa termina, o corpo lembra todo o medo e confusão ao mesmo tempo, o que leva a momentos infortúnios conhecidos apenas por Deus, e que muitas vezes nos trazem cicatrizes imperceptíveis. Lembro-me que depois da guerra de 2012, muitas pessoas disseram-me: "É estranho que nós não sentimos medo durante a guerra, mas depois que terminou nos sentimos aterrorizados". Este é precisamente o conceito de "armazenamento de crise." A nona questão é a da perda de memória geográfica. Quando há um lugar significativo que é bombardeado e destruído por Israel, anos mais tarde, você não é capaz de dizer a um amigo "Joguei aqui", ou "Eu estudei aqui", porque o "aqui" não existe mais. Há uma borracha na memória geográfica e Israel tenta apagar os nossos laços com esta terra. Décimo é a perda da segurança e da confiança nos pais, devido à sua incapacidade de proteger seus filhos. Este, posteriormente, leva à degradação das relações entre pais e filhos. A guerra é cruel, ela distorce as características humanas dentro de nós, não importa a nossa capacidade de suportar. Antes que alguém pense sobre a restauração e reconstrução de Gaza depois da guerra, eles devem pensar seriamente sobre o caminho para restaurar a vida do povo de Gaza, e costurar os buracos dentro dele, porque o que em última análise, Israel pretende fazer é matar-nos, ou, pelo menos, demolir o nosso espírito e capacidade de viver.
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